Dr Eduardo Adnet


Médico Psiquiatra e Nutrólogo

Autismo e Síndrome de Asperger


Uma das maiores alegrias que já tive ao longo de vinte e oito anos de profissão foi o privilégio de tratar de uma adorável criança trazida por sua mãe ao consultório, usando uma quantidade espantosa de medicamentos e com resultados de tratamento absolutamente insatisfatórios. Era uma criança bem mais alta e mais corpulenta para a média de sua idade, incessantemente inquieta, com graves dificuldades na fala, completamente desatenta, pulava o tempo todo e se lançava em saltos para abraçar a mãe, algumas vezes lançando-a no chão devido ao seu tamanho e corpulência. Mantê-la quieta, por alguns poucos instantes que fosse, parecia uma tarefa impossível. A criança caía no chão o tempo todo, embora sempre se levantasse rindo e novamente disposta a abraçar e a beijar sua mãe.

O problema estava em diagnósticos mal feitos e em um tratamento inadequado. Tratava-se de um caso clássico de Autismo. Após poucas semanas de tratamento, a menina já era outra. Toda a medicação foi trocada, as dosagens foram sendo ajustadas progressivamente e a paciente já não mais sofria as quedas frequentes, como também apresentou, em pouco tempo, uma impressionante melhora da fala. Foi uma grande alegria para todos nós, graças a Deus.

Tanto o Autismo como a Síndrome de Asperger têm sido alvo de diversos estudos e pesquisas, as quais se intensificaram bastante a partir da segunda metade do Século XX. Aqui o evidente destaque ao médico austríaco Dr. Hans Asperger (cuja síndrome leva seu nome) que publicou o famoso artigo "A Psicopatia Autista na Infância" em 1943, um trabalho que ficou bastante obscurecido em razão do momento de sua publicação, em 1943, ou seja, em meio a Segunda Grande Guerra.

Todavia, a partir da década de noventa, os trabalhos do Dr. Hans Asperger foram sendo progressivamente, e finalmente, cada vez mais reconhecidos em ampla escala no mundo todo, sendo até hoje o Dr. Hans Asperger merecidamente considerado como um dos maiores e mais importantes pioneiros no estudo do Autismo.

Ironicamente, mesmo após o já existente amplo corpo de estudos sobre a Síndrome de Asperger, o Conselho da Associação Psiquiátrica Americana (APA) resolveu abandonar o caminho rumo ao fortalecimento da compreensão do diagnóstico isolado da Síndrome de Asperger, causando um "desfavor" a muitos pesquisadores, médicos psiquiatras, neuropediatras e a outros profissionais especializados no tratamento de portadores de Síndrome de Asperger. Isto sem falar na irônica contradição que foi lançada sobre os resultados de tantos trabalhos valiosos que vieram na esteira dos estudos do próprio Dr. Hans Asperger ao longo de tantos anos. Ou seja, ao invés de se dar mais espaço para os estudos no vastíssimo território ao qual pertence a Síndrome de Asperger, criou-se a categoria de Transtornos do Espectro Autista que pode vir a ter efeito contrário, ou seja, dando margem a diagnósticos reducionistas, mecanicistas e menos sofisticados.

Convém aqui lembrar que o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) é uma publicação da Associação Psiquiátrica Americana e não reúne consenso entre psiquiatras de todo o mundo, muito pelo contrário. Cresce, a cada nova revisão dos DSMs da APA, a rejeição por parte de psiquiatras de vários paises e mesmo entre os norte-americanos, em razão das metodologias adotadas pela APA para a revisão de seus DSMs, algumas dessas metodologias um tanto quanto curiosas e até mesmo estranhas.

Não cabe aqui nenhuma insinuação de descrédito aos DSMs norte-americanos, embora, verdade seja dita, a Psiquiatria norte-americana parece estar tomando um rumo perigoso em razão de sua excessiva carga de critérios de diagnósticos demasiadamente sistematizados. Estão criando para si próprios "protocolos" de diagnósticos exageradamente recheados de "exigências" para os diagnósticos em Psiquiatria.

Se os rumos continuarem sendo estes, não é impossível de se acreditar que um dos próximos passos será criar algum software ou aplicativo para diagnósticos em Psiquiatria, em detrimento da insubstituível avaliação clínica feita pelos psiquiatras. Poder-se-ia dizer que em razão das questionáveis metodologias utilizadas nas revisões dos DSMs feitas nos últimos anos que a Psiquiatria norte-americana está se tornando cada vez mais fria e robotizada. Parece que estão se esquecendo da alma dos pacientes e também da alma dos psiquiatras.

O franco declínio que hoje atinge diversas escolas da Psicologia (algumas delas em acelerado processo de extinção) tem se dado justamente pelo desequilíbrio nas tentativas de compreensão do comportamento mental patológico superestimando-se os aspectos afetivos envolvidos na psicopatogênese de transtornos mentais em detrimento da compreensão dos fatores biológicos envolvidos na psicopatologia desses transtornos.

Por outro lado, a excessiva ênfase nos aspectos biológicos envolvidos na psicopatogênese dos transtornos mentais em detrimento dos aspectos essencialmente psíquicos é, sem dúvida, um rumo perigoso que a Psiquiatria norte-americana está tomando.

A boa notícia, entretanto, é que o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais norte-americano não é nem o melhor e nem o mais utilizado manual de Classificação de Transtornos Mentais no mundo. A Classificação Internacional de Doenças (CID) continua sendo a melhor e mais utilizada obra de classificações de doenças em todo o mundo, inclusive no que diz respeito aos Transtornos Psiquiátricos. A Classificação Internacional de Doenças (CID) é uma publicação da Organização Mundial de Saúde.

 

O Autismo e a Síndrome de Asperger

 

De modo simplificado, o que distingue a Síndrome de Asperger do Autismo é a maior severidade dos sintomas no Autismo e a ausência de atrasos da linguagem na Síndrome de Asperger. Crianças portadoras da Síndrome de Asperger frequentemente têm boa linguagem e habilidades cognitivas muitas vezes notáveis. Para o observador leigo, uma criança com Síndrome de Asperger pode parecer uma criança normal e que apenas se comporta de forma diferente ou excêntrica, por vezes bastante desajeitadas.

Já as crianças autistas frequentemente parecem mais distantes e menos interessadas nos outros ao redor, o que não é o caso das portadoras da Síndrome de Asperger. Indivíduos com Síndrome de Asperger geralmente desejam se relacionar com o grupo, interagir com os outros, porém não sabem como fazê-lo. Podem ser socialmente retraídos, não compreender bem regras e normas de conduta social, e podem evidenciar uma deficiência de empatia que dificilmente deixa de ser notada.

Frequentemente apresentam limitações no contato visual interativo dentro dos grupos de convívio, dificuldade em participar de conversas, por mais simples que sejam, e podem também apresentar pobreza na compreensão dos gestos da linguagem não verbal.

Convém aqui lembrar que a dificuldade no contato visual dos portadores da Síndrome de Asperger não é patognomônico para esta condição, ou seja, há crianças e adolescentes que embora possam estabelecer contatos visuais normais em sua interação com outras pessoas, isto não exclui o diagnóstico de Asperger.

Na Síndrome de Asperger, interesses específicos por determinas atividades, determinados brinquedos selecionados, temas específicos, coleções, dentre outros interesses, podem ser bastante persistentes podendo mesmo chegar a ser obsessivos. Podem evidenciar habilidades intelectivas impressionantes para atividades mentais como cálculos, recordações de datas e de números, conhecer os nomes de todos os jogadores de vários times de futebol, apresentarem sistematizações mentais surpreendentes para diversas tarefas intelectivas, ao mesmo tempo em que podem demonstrar pobreza na compreensão de conceitos que requeiram abstrações mentais padronizadas e universalmente aceitas. As habilidades intelectivas dos portadores da Síndrome de Asperger podem, dessa forma, ser bastante seletivas, específicas e involuntárias.

Outra das principais diferenças entre a Síndrome de Asperger e Autismo é que, por definição, não há atraso significativo na fala na Síndrome de Asperger. Crianças com Síndrome de Asperger frequentemente têm vocabulário extenso, é comum se utilizarem de vocábulos e de expressões rebuscadas e geralmente falam bastante, o que pode ser episódico. Trata-se do uso peculiar da linguagem no caso desses pacientes, podendo apresentar um discurso rítmico e enfático ou excessivamente formal, podendo falar em voz alta a maior parte do tempo, ou com a tonalidade mais aguda. Quando tensas, ou sob pressões específicas, mesmo com um modo de falar que chama a atenção pela excentricidade, podem não conseguir comunicar aos outros o que realmente estão querendo dizer. O falar por vezes rebuscado e excessivamente metódico de portadores da Síndrome de Asperger pode estar mascarando uma real dificuldade de expressão.

Crianças com a Síndrome de Asperger podem não compreender as sutilezas da linguagem, como a ironia ou o humor, por exemplo, o que faz com que possam não achar graça de alguma piada solta em uma conversa, ou não detectarem mensagens ditas por entrelinhas em uma conversa em grupo. É comum que se lhes passem desapercebidas diversas inflexões da linguagem.

Ainda outra distinção entre o Autismo e a Síndrome de Asperger diz respeito às habilidade cognitivas. Enquanto alguns indivíduos com Autismo apresentam atrasos cognitivos notáveis, por vezes com expressivo retardo, na Síndrome de Asperger comumente não há atrasos cognitivos clinicamente significativos e não é incomum possuírem inteligência acima da média, o que não é o caso do Autismo.

Embora dificuldades motoras não sejam um critério específico para o diagnóstico da Síndrome de Asperger, é bastante comum observarmos nesses pacientes diferentes graus de prejuízo nas habilidades de coordenação e de sintonia de movimentos.

Embora sendo doenças crônicas e sem cura definitiva, o diagnóstico e o tratamento tanto para o Autismo como para a Síndrome de Asperger convém sejam estabelecidos o mais precocemente possível.
 

Síndrome de Asperger

 

Thomaz Guaglioni | Minha Síndrome de Asperger

 

Autismo

 

Trying To Cope With A Severely Autistic Child

 

 

Dr Eduardo Adnet

Médico Psiquiatra e Nutrólogo