Insônia, Sai pra lá que eu não te quero!
Se alguém, porventura, achar que o título deste artigo parece
sugerir uma propaganda de remédio pra dormir, tenho que
concordar. Ficou parecendo, sim! Mas o motivo deste texto vai
bem além desta mera coincidência. A insônia é um problema que
afeta muitas pessoas, e sua prevalência na população aumenta a
cada dia que passa. É disto o que trataremos a seguir.
Lembro-me de uma senhora que tratei, super simpática, gorducha e
amável, na faixa dos seus 50 anos, e que sofria de uma insônia
terrível. Chegava a ficar por sete dias sem conseguir dormir,
algo surpreendente. Mais surpreendente ainda era o fato de seu
humor não se alterar de modo significativo, mesmo a despeito
daquele sofrimento. Era sempre muito simpática. Por vezes falava
comigo (no início do tratamento) com os olhos se fechando de
cansaço, mas mesmo exausta, não dormia. Era um suplício. Passou
anos assim antes que sua insônia fosse adequadamente tratada.
Evidentemente que havia prejuízos diversos em sua vida diária,
consequências da insônia.
Em cerca de duas semanas após o início do tratamento, já dormia
a noite toda e já tinha sua fisionomia dramaticamente mudada,
sendo que o humor desta vez se mostrou aprimorado. Foi uma
grande alegria, tanto pra ela quanto pra mim.
Já um outro caso, este ainda mais severo, era de um rapaz, na
faixa dos trinta anos, que ficava sem dormir por mais de dez
dias, algo do que até a Ciência parece duvidar. Já estava tão
acostumado à sua própria insônia (uma adaptação disfuncional)
que não se surpreendia se passasse dois ou três dias sem dormir
um segundo sequer. E para ambos os casos, os resultados da
medicação foram excelentes. E falaremos disto logo adiante.
Citei dois exemplos de casos severos para ressaltar que nem um
dos dois pacientes acima sofria de Mania, uma condição
psiquiátrica onde o pensamento fica acelerado, o indivíduo fica
agitado, com humor eufórico e com evidentes alterações
comportamentais. Não, em nenhum dos casos acima havia o menor
sinal de Mania ou de Hipomania. Tratava-se de insônia pura e
simples. “Insônia pura e simples” pode até parecer uma expressão
inadequada para um texto escrito por um médico psiquiatra, mas a
realidade é que existem pessoas que são exaustivamente
investigadas em distintos terrenos de especialidades médicas e o
resultado das investigações parece um andar em círculos sem que
a causa do problema termine por aflorar. Em outras palavras, não
se encontra uma explicação nem plausível e muito menos racional
para a causa da insônia. Mas ela está lá, atormentando a vida do
sujeito, e algo precisa ser feito. As consequências da insônia
são diversas e podem chegar a ser surpreendentes.
Outro ponto muito importante quando se trata de abordarmos a
problemática da insônia é o fato de esta ter o potencial de
fazer piorar uma gama enorme de transtornos psiquiátricos os
mais diversos. A insônia pode piorar a ansiedade, a depressão, o
transtorno bipolar, as fobias, as compulsões, os vícios, enfim,
a insônia merece grande destaque (e tratamento) na Psiquiatria.
Enfatizo em desassociar, neste artigo específico, a insônia
relacionada a problemas respiratórios, como a apnéia obstrutiva
do sono ou o ronco (o ressonar durante o sono) este último
também relacionado a disfunções das vias respiratórias. Estamos
aqui nos referindo a pessoas que não possuem nem apnéia do sono
ou que sequer roncam, mas que sofrem de insônia.
O Centro para a Prevenção e Controle de Doenças dos Estados
Unidos (CDC) já considera a insônia como uma epidemia em saúde
pública. Um interessante levantamento estatístico, realizado de
2005 a 2008 pelo CDC, com indivíduos com idade igual ou superior
a vinte anos, mostrou que 85,1 por cento da população estudada
apresentava queixas relacionadas às consequências da insônia.
São elas, nesta ordem:
1- Dificuldade de concentração
2- Problemas de memória
3- Dificuldades no exercício das funções do trabalho, e mesmo na
prática de hobbies
4- Problemas relacionados ao ato de dirigir
5- Dificuldades para planejar a vida financeira
6- Dificuldades de desempenho em trabalhos voluntários
Outras queixas frequentes também incluem: irritabilidade,
episódios de ira e de explosividade, aumento do apetite, aumento
ou diminuição da libido, e menor capacidade de resistência
psíquica e afetiva (emocional) em comportamentos envolvendo
toxicodependência.
Um outro sério problema apontado é a relação da insônia com
acidentes de trânsito e com acidentes do trabalho. Segundo o
CDC, pessoas que sofrem de insônia possuem uma maior propensão a
sofrer de determinadas doenças crônicas, como a hipertensão, o
diabetes, depressão, obesidade severa, cardiopatias, problemas
imunológicos e perda de qualidade de vida.
Segundo a Fundação Nacional do Sono dos EUA (The National Sleep
Foundation), crianças de 5 a 10 anos de idade necessitam de
10-11 horas de sono por dia, adolescentes (10-17 anos) de 8.5 a
9.5 horas de sono por dia, e adultos de 7-9 horas. (National
Sleep Foundation, How Much Sleep Do We Really Need? 2011).
Curiosamente, não parece haver nenhuma evidência que suporte a
afirmação de que dormir demais seja prejudicial à saúde, mas o
contrário não é verdadeiro. Segundo um conjunto de informações
disponibilizadas pelo Instituto de Medicina dos EUA, pelo
Departamento Nacional de Transportes norte-americano e pelo
Centro Nacional de Estatísticas dos Estados Unidos, há um
aumento da mortalidade entre indivíduos que sofrem de insônia em
comparação a pessoas que dormem normalmente.
Embora diversos casos de insônia só possam ser resolvidos com
medicação, algumas medidas podem ser tomadas no sentido de se
propiciar um sono melhor. Eis algumas dessas medidas:
-Manter um horário regular para se deitar e para acordar,
incluindo os fins de semana.
-Prover um local confortável, escuro, silencioso e bem ventilado
para dormir.
-Manter uma rotina de atividades progressivamente relaxantes
antes de se deitar (um banho confortável, uma leitura agradável,
ouvir algumas músicas relaxantes).
-Buscar adequar, da melhor maneira possível, tanto o colchão
como o travesseiro, que devem ser adequados ao perfil anatômico
de cada pessoa.
-Fazer a última refeição de 2 a 3 horas antes de se ir deitar
-Exercícios físicos regulares
-Evitar substâncias com propriedades estimulantes (café,
refrigerantes contendo cafeína, chocolates, erva-mate, dentre
outros).
-Não ingerir bebidas alcoólicas.
Quanto ao último tópico, o álcool, há pessoas que
equivocadamente acreditam que o álcool ajuda no sono. Na
realidade, o sono induzido, ainda que parcialmente, pelo álcool
tende a ser um sono fragmentado e de má qualidade. Isto sem
falar no enorme esforço metabólico que o corpo realiza a fim de
metabolizar o álcool, o que é feito por uma via metabólica
complexa e que requer muita energia do nosso organismo.
O Tratamento Farmacológico da
Insônia
Como praticamente tudo em Medicina, o tratamento deve ser
individualizado e norteado pelas necessidades de cada paciente.
Particularmente, nutro uma forte dose de antipatia aos chamados
Protocolos de Tratamento, e isto porque há diversos casos para
os quais esses tais protocolos não são adequados. De qualquer
modo, hoje é bem mais fácil de se tratar a insônia do que há
alguns anos atrás, devido ao amplo arsenal farmacológico
disponível para o tratamento da insônia primária (quando não
está associada a uma doença específica).
Há que se identificar se a insônia é inicial (a pessoa custa a
adormecer), se a insônia é intermediária (desperta várias vezes
durante a noite), ou se é a chamada insônia terminal (a pessoa
acorda antes da hora e não consegue mais dormir). Já partindo do
ponto em que potenciais causas médicas já foram investigadas a
fim de se detectar a etiopatogenia (a causa) de cada caso de
insônia em particular, o passo seguinte é a compreensão da
fisiopatologia (como ela se apresenta) da insônia de que se
queixa o paciente. O passo seguinte é a escolha da medicação
mais adequada a cada caso. Neste ponto, as abordagens
farmacoterapêuticas (o tratamento com medicamentos) podem variar
amplamente.
Dentre as categorias farmacológicas mais utilizadas no
tratamento da insônia estão, não nesta ordem: os
benzodiazepínicos, os tricíclicos, os anti-histamínicos, os
antipsicóticos, anticonvulsivantes, os cronobióticos e as
imidazopiridinas.
No momento, um novo medicamento, o Suvorexant, se encontra na
Fase III de estudos e trata-se de um antagonista dos receptores
da orexina, um neurotransmissor presente em neurônios do
Hipotálamo e relacionado a efeitos neuro-estimulantes. O
Suvorexant é um antagonista dos receptores OX(1)R e OX(2)R.
A compreensão das queixas dos pacientes, uma investigação bem
feita e uma boa dose de conhecimentos em psicofarmacoterapia são
ingredientes indispensáveis para o tratamento bem sucedido da
insônia em suas múltiplas formas de apresentação.
Referências:
-National Sleep Foundation, How Much Sleep Do We Really Need?
2011
-Institute of Medicine. Sleep Disorders and Sleep Deprivation:
An Unmet Public Health Problem. Washington, DC: The National
Academies Press; 2006.
-US Department of Transportation, National Highway Traffic
Safety Administration, National Center on Sleep Disorders
Research, National Heart Lung and Blood Institute. Drowsy
driving and automobile crashes [National Highway Traffic Safety
Administration].
-Schoenborn CA, Adams PF. Health behaviors of adults: United
States, 2005–2007. National Center for Health Statistics. Vital
Health Stat 10(245). 2010.
-Sleepdex™
-CDC. Youth Risk Behavior Surveillance—United States, 2009. MMWR
2010;59:SS-5.
-Australian Sleep Association
-U. S. Food and Drug Administration
“Em paz me deito e logo pego no sono,
porque, SENHOR, só tu me fazes repousar seguro.” Salmos 4:8
Dr Eduardo Adnet
Médico Psiquiatra e Nutrólogo